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A gente sai do Brasil, mas o Brasil não sai da gente

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Cada vez que eu volto ao Brasil é uma experiência diferente. Em cada viagem eu me surpreendo, me decepciono, e percebo o quão gringa eu já sou em muitos aspectos, e o quão brasileira eu nunca vou deixar de ser.

Quer um exemplo? Minhas filhas levaram um susto quando passou um carro de som na rua da minha mãe anunciando as promoções do mercadinho do bairro. Minha mãe mora no terceiro andar, de frente pra rua, e certamente o som atingia o quarteirão inteiro! Vimos os carros de som outras vezes pelas ruas, e sempre nos olhávamos, com os olhos arregalados, pensando que éramos de outro planeta por estranhar tamanho desrespeito pelo espaço alheio com aquela poluição sonora em lugar público.

Falando em poluição sonora, semana passada eu fui no centro da cidade e estava esperando uma amiga na frente da Confeitaria Colombo, que estava LOTADA de turistas, brasileiros e estrangeiros. Um inglês estava atrás da gente, falando no telefone e tentando combinar o passeio de asa delta (“Dá pra fazer 3 pessoas numa, e 2 na outra, além dos guias?” Oi?) quando chega um vendedor ambulante carregando um carrinho de mão com um aparelho de som que tocava sucessos de festa junina no volume mais alto possível. Ele parava de 3 em 3 metros e fazia sua dancinha, acompanhado de meia dúzia de outros turistas que se empolgavam com a apresentação. E eu só pensando no coitado atrás de mim, que não conseguia ouvir nada no telefone, e nas outras pessoas que deviam estar trabalhando nos prédios da rua e eram importunados por aquela barulheira. Como assim, gente?

Esses são apenas dois exemplos de comportamentos completamente “normais” que encontramos numa das maiores metrópoles brasileiras, cartão postal do mundo, Cidade Maravilhosa, purgatório da beleza e do caos. Enquanto eu morava lá, não dava muita importância pra isso, não era bizarro. Talvez eu até acionasse uma certa surdez seletiva que bloqueava o incômodo, sei lá. Eu tomava a pílula azul.

Entretanto, eu me espantei em perceber que eu ainda sou conivente com certos aspectos da nossa cultura do jeitinho brasileiro. Quem resolve sair do país geralmente bate no peito por tentar viver a vida na legalidade, dentro das regras, coisa difícil de se fazer na terrinha, nas mínimas coisas, como parar no sinal vermelho ou atravessar a rua na faixa de pedestres.

Pois estava eu voltando de Botafogo, em plena Presidente Vargas, esperando pelo meu ônibus. Não tinha placas no ponto indicando se meu ônibus passava naquele ponto. Eu fui pela minha memória. Mas o centro do Rio tá um caos com as obras, mudaram mãos de rua, bloquearam a Rio Branco pra carros (só passa ônibus), ou seja, era esperado que algo estivesse diferente por ali. Depois de meia hora, avisto o ônibus chegando pela segunda pista central, e ele passou direto do ponto. Tava na cara que eu estava no lugar errado. Como o trânsito estava lento, eu fui correndo pro próximo ponto, na esperança de ainda conseguir entrar no ônibus. Sinal parado. Eu abanava os braços, tentando fazer contato com o motorista pra perguntar onde era o ponto. Quando ele me viu naquele desespero, ele abriu a porta e falou pra eu entrar. Ele estava na segunda faixa, não estava no acostamento. Eu nem pensei duas vezes, dei uma corridinha e entrei, agradecida por ele ter aberto a porta fora do ponto. Fosse no Canadá, eu teria que esperar pelo próximo ônibus com certeza. Ou seja, quando a infração gera um benefício, a gente meio que tapa os olhos pro erro, né? Meu, que devia esperar o ônibus no ponto certo mesmo que isso significasse que eu ficaria plantada ali por mais meia hora esperando o próximo, e do motorista, que só deveria abrir a porta nos pontos indicados.

Da outra vez foi num restaurante em São Paulo. Fui encontrar umas amigas “virtuais” no shopping Villa Lobos (aliás, um dos pontos altos dessa viagem foi encontrar e reencontrar tanta gente bacana!). Eu tinha acabado de comer, e não pretendia gastar muito no restaurante, até porque o cardápio era bem salgadinho pro meu bolso (gente! O que são os preços de tudo no Brasil, hein? Absurdo de caro, até pra mim que ganho em dólar!). Minha filha resolveu atacar o buffet. E buffet é sempre prejuízo pra minha família, a gente nunca come o suficiente pra valer a pena o que se paga. Ainda mais criança! Aí eu fui ver o preço do buffet: 74 dinheiros por adulto (acima de 10 anos já contava como adulto), 35 por criança. (Impossível gastar menos de 150 reais num restaurante pra uma família de 4 pessoas! Fiquei pasma!) Se a Laura estivesse enchido o prato três vezes, eu não me importaria de pagar os 74 reais. Mas ela pegou 3 ovos de codorna, um tico de salada e uns pedaços de focaccia. Não vale 74 reais, me perdoem. A menina fez 11 anos em abril, mas na hora de pedir a conta eu falei que era buffet de criança. Porque é isso que ela é, certo? (Olha a pessoa tentando se justificar do erro!). Felizmente o garçom não me perguntou a idade dela. Eu não mentiria se fosse o caso. E mais uma vez eu me senti estranhamente grata por ter sido poupada pelo jeitinho brasileiro.

Pra não dizer que só observei as coisas ruins do nosso Brasil, eu fiquei feliz de ver o BRT funcionando. Não cheguei a andar nos ônibus expressos, mas pelo que vi das obras, facilitou muito o fluxo dos ônibus. A Ayrton Senna, na Barra, ficou ótima com as passarelas, não vi ninguém atravessando na pista (apesar do trânsito ainda ser super intenso ali da saída da Linha Amarela até a Avenida das Américas, pior que São Paulo, pra minha surpresa). Não vi tantas vans de transporte alternativo no centro. Vi corredores de ônibus exclusivos que as pessoas respeitavam (por causa dos radares, talvez? Mas tá valendo). Falando em ônibus, os que eu peguei não tinham mais cobradores, que foi uma coisa que eu passei a estranhar lá depois de ver que aqui os ônibus só têm motoristas. A solução ainda não é super eficiente porque o motorista ainda lida com troco de passagens e atrasa o processo, o que não acontece aqui, mas já é uma mudança. Eu vi mercados indicando as porcentagens de impostos dos produtos na nota fiscal. Eu vi automação do pagamento de estacionamentos e pedágios. Eu visitei uma biblioteca pública com padrão de primeiro mundo. Eu testemunhei respeito e um atendimento incrível da Azul no aeroporto Santos Dumont.

E além dos serviços, eu vivi todas as coisas boas do nosso Brasil, aquilo que dá saudade do lado de cá do mundo. Percebi que o inverno é a melhor época do ano pra visitar o abafado Rio de Janeiro. Pisei em areia branca e fina. Tomei água de côco sem ser de garrafa ou caixa. Caldo de cana. Mergulhei no mar sem ter hipotermia. Abracei família, amigos. Brinquei com os sobrinhos. Ri muito. Engordei 3 quilos comendo todas as guloseimas que não tenho no Canadá (ai, o quindim!). Comi goiaba do pé. Passei horas em livrarias, escolhendo livros que não encontro aqui. Entupi de coisas boas as reservas da minha alma nas igrejas. Recuperei meu sotaque carioca. Vi minha irmã mais feliz que nunca no seu casamento. Fui mimada pela mãe e pela sogra. Fiz uma mini-viagem pra Angra dos Reis, a primeira da filha mais nova. Desconectei.

E cá estou, conectada novamente, feliz de estar de volta, pra ser sincera. Foi um mês muito feliz pra gente, certamente. Mas a cada volta ao Brasil, eu tenho mais certeza de que fizemos a escolha certa ao vir pro Canadá. Feliz e infelizmente. Sem falar que a nossa casa é sempre o melhor lugar, em qualquer parte do mundo.


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